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Serviço de Apoio Jurídico da UFBA e movimento de moradia conseguem vitória judicial que beneficia mais de 280 famílias

Enviado em 19/07/2021 - 15:08

 

 

Com assessoria do Serviço de Apoio Jurídico da UFBA (Saju), projeto de extensão vinculado à Faculdade de Direito da UFBA, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), conseguiu, no domingo 11 de julho, a suspensão, pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), do mandado de reintegração de posse que determinava a remoção imediata das mais de 280 famílias que moram na Ocupação denominada Carlos Marighella, no Centro de Salvador.

Nomeada em homenagem ao ex-deputado e militante político Carlos Marighella (1911-1969), a ocupação, organizada pelo MLB, movimento nacional de luta por moradia, reúne mais de 280 famílias provenientes de habitações precárias e em áreas de risco em Salvador, e está localizada na Avenida Sete de Setembro, s/n (antigo Centro Educacional Magalhães Neto).

A decisão derrubada, de primeira instância e proferida sem que possibilidade de defesa das famílias, resultou de uma ação de reintegração de posse ajuizada pela Empresa Baiana de Águas e Esgotos (Embasa) e determinava a desocupação imediata do prédio, desconsiderando as consequências da desabitação no período da pandemia do Covid-19, sobretudo no que concerne a um imóvel que tem assegurado moradia a mais de 280 famílias, com cerca de 80 pessoas crianças e grande quantidade de idosos e pessoas com deficiências e diversas comorbidades.

Com apoio de estudantes e professores da Faculdade de Arquitetura da UFBA, as famílias demonstraram que, apesar do longo período em que esteve abandonado – cerca de 12 anos – , o imóvel apresenta condições estruturais suficientes para servir de habitação às centenas de pessoas em situação de vulnerabilidade, inclusive para que possam cumprir as medidas de isolamento social e resguardar seus direitos à moradia, à vida e à saúde.

Em julgamento do recurso interposto pelos advogados/as do Saju em favor das famílias, o TJBA reconheceu a necessidade de suspensão do mandado de reintegração, para que fosse observada a determinação do Supremo Tribunal Federal (ADPF 828 DF), que suspende os despejos no período de pandemia ou institui que, para que aconteçam remoções, haja realocação para uma moradia segura, que garanta condições sanitárias e habitacionais dignas.

Na decisão, foi determinado que, para a remoção das famílias, deve ser apresentado um plano de realocação habitacional pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Sedur), que assegure o direito das famílias à moradia (art. 6º da Constituição).

Para os membros do Saju, “a decisão proferida pelo TJBA, embora não seja definitiva, é de suma importância para efetivação do direito à moradia e para responsabilização do Governo do Estado, já que instituiu a aplicação objetiva da decisão do STF, investindo a Secretaria de Desenvolvimento Urbano como responsável direta pela apresentação de soluções habitacionais alternativas, que resguardem o direito universal à saúde e os direitos sociais fundamentais da população mais pobre em Salvador”.

Para Maura Cristina, integrante da campanha nacional Despejo Zero e coordenadora do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB), “a suspensão do despejo imediato das famílias representa uma vitória para os movimentos de moradia na Bahia, que lutam pela concretização do direito fundamental à moradia e que, neste período de pandemia, representa a preservação da saúde e da vida de inúmeras pessoas”.

Diretor da Faculdade de Direito, o professor Julio Rocha define o Saju como “nossa mais antiga atividade extensionista [, que] acompanha demandas individuais e coletivas com compromisso e responsabilidade”. Segundo Rocha, “as iniciativas do Saju são conduzidas com apoio de advogados/as voluntários/as, e seus membros passam por processos de formação continuados. A FDUFBA orgulha-se, em especial, desta ação em defesa das famílias que moram na Ocupação Carlos Marighella”.

Além do apoio processual, o Saju realiza atividades de formação popular com as famílias do movimento.

* Com texto e informações de Douglas Mota (advogado ex-membro do Saju), Maíra Neves e Nayara Gonçalves (estudantes da UFBA e integrantes do Saju)

 

Reprodução: EdgarDigital

ACNUR apoia cartilha socioambiental sobre o uso consciente da água do Estado de Roraima

Enviado em 14/07/2021 - 00:00

A cartilha será distribuída em alguns abrigos da Operação Acolhida e nas escolas do estado, como a escola da aluna Shakira Esmeralda, uma das ganhadoras do concurso de redação e desenho sobre o consumo consciente de água. © ACNUR/Allana Ferreira

Material tem como objetivo promover soluções sustentáveis e informar sobre consumo de água entre estudantes brasileiros e venezuelanos e professores

 


A Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (CAER) lançou na última semana a cartilha socioambiental “Água é Vida”, sobre o uso consciente da água em contextos urbanos. Direcionado para alunos brasileiros, refugiados e migrantes venezuelanos do estado de Roraima, o material impresso será distribuído nas escolas estaduais da rede pública e nos centros de acolhimento da Operação Acolhida que têm bibliotecas, mantendo a versão online na biblioteca virtual da Secretaria Estadual de Educação.

Produzida nos idiomas português e espanhol, com apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), a cartilha traz informações sobre a preservação dos mananciais dos rios e orientações para evitar o desperdício da água em residências e também nos 14 abrigos que acolhem mais de 7.800 refugiados e migrantes nas cidades de Boa Vista e Pacaraima. O tema se tornou ainda mais importante em tempos de pandemia, que por medidas sanitárias, registrou aumento do consumo domiciliar de água.

“Percebemos que muitos dos países que acolhem refugiados e migrantes, principalmente em situação de abrigamento, tem muita dificuldade de oferecer água tratada para essa população. Mas aqui em Roraima estamos conseguindo levar água para todos os abrigos, o que é essencial para a qualidade de vida dessas as pessoas. Por isso elas também fazem parte da manutenção desse recurso”, disse James Serrador, presidente da CAER.

A compreensão de que todos têm o direito de acesso à água tratada, mas também o dever de cuidar deste bem tão precioso e muitas vezes escasso, foi um dos motivos da criação da cartilha bilíngue.

“A parceria entre ACNUR e CAER já acontece em outras frentes de sustentabilidade e a cartilha vem para promover a educação ambiental, principalmente entre as crianças e jovens, tornando-os membros ativos na gestão do uso da água nos abrigos e contribuindo para a formação de cidadãos mais conscientes”, explica Fabiano Sartori, consultor de meio ambiente do ACNUR.

O lançamento da cartilha, feito na semana passada, contou com a premiação do 1º Concurso da CAER de Redação e Desenho, voltado para estudantes das escolas estaduais sobre a preservação e uso da água. Shakira Esmeralda, de 17 anos e aluna da escola estadual Tancredo Neves, foi uma das premiadas da categoria redação. Para ela, falar sobre meio ambiente é assunto da atualidade e deve ser debatido. “Essas atividades e materiais sobre a preservação da água, natureza e meio ambiente são essenciais e motiva nós, alunos, a estudar sobre o tema. Além disso, possibilita que o aprendizado na escola seja colocado em prática na vida”, afirmou a jovem.

O tema de sustentabilidade e meio ambiente é transversal nos trabalhos do ACNUR. Apoiar, incentivar, promover e desenvolver iniciativas educativas e projetos que promovam um acolhimento sustentável e inclusivo de refugiados e migrantes é uma das frentes de atuação do ACNUR no Brasil.

A estratégia da preservação dos recursos naturais e de reutilização de materiais, mesmo em um contexto de emergência humanitária, como em Boa Vista e Pacaraima (RR), dialoga com a estratégia ampla do ACNUR em incorporar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o acesso à água potável e saneamento (ODS 6), fortalecimento de cidades e comunidades sustentáveis (ODS11) e consumo e produção responsáveis (ODS 12).

“Faz parte do mandato do ACNUR apoiar e potencializar entes públicos e privados para que possam contribuir de forma sustentável em parcerias para fins humanitários. O trabalho conjunto entre diferentes atores de interesse comum contribui para identificar formas de reduzir os impactos das ações humanitárias no meio ambiente, promovendo respostas de infraestrutura e serviços públicos condizentes com as realidades e especificidades da região”, adiciona Fabiano.

“Estamos muito felizes de ter uma cartilha bilíngue e inclusiva, trazendo a população refugiada e migrante venezuelana como parte da construção de ações e soluções ambientais. Agradecemos ao ACNUR pela parceria neste processo e como estamos todos no mesmo lugar, no mesmo estado, somos todos responsáveis por cuidar dos nossos bens naturais”, acrescenta a primeira-dama do Estado, Simone Denarium.

A cartilha socioambiental bilíngue do programa “Rios Limpos, Sociedade Integrada” está disponível no site da CAER.

Reprodução integral: ACNUR Brasil

Mulheres enfrentam discriminação para realizar registro de seus filhos em muitos países

Enviado em 12/07/2021 - 11:10

A mãe síria Samira visita um centro comunitário do ACNUR em Aleppo em busca de ajuda jurídica para registrar o nascimento de seu bebê. © ACNUR/Qusai Alazroni

Relatório lançado pelo ACNUR e UNICEF confirma que a discriminação prejudica capacidade de mulheres de registrar o nascimento de seus filhos, expondo-os ao risco de se tornarem apátridas


De acordo com o relatório “Discriminação Sexual no Registro de Nascimento” (em inglês), lançado globalmente nesta semana pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), barreiras podem existir na legislação ou nas normas culturais em diversos países sobre práticas de registro de nascimento podem fazer com que crianças nasçam sem uma cidadania, ou seja, apátridas.

Em alguns países, são os pais ou outro membro da família do sexo masculino que têm a responsabilidade legal de registrar o nascimento de uma criança e as mães só podem fazê-lo em circunstâncias excepcionais. Se o pai não registrar o nascimento, a criança pode ficar sem registro.

Em alguns ambientes, médicos, parteiras ou chefes tribais que assistem ao nascimento de uma criança têm prioridade sobre a mãe na lista de membros da comunidade que têm o direito de registrar o nascimento.

Também existem países onde o direito legal de a mãe registrar o nascimento de seu filho depende de sua capacidade de provar que a criança nasceu do casamento, o que normalmente exige uma custosa certidão de casamento.

“A capacidade de ambos os pais de registrar o nascimento de seus filhos é fundamental para prevenir a apatridia na infância. Impedir que as mulheres tenham direitos iguais para fazê-lo é colocar uma criança em risco e deixá-la sem uma forma crucial de identidade legal e prova de direito à nacionalidade”, afirma Grainne O’Hara, Diretora de Proteção Internacional do ACNUR.

Segundo dados do UNICEF, uma em cada quatro crianças com menos de 5 anos não é registrada assim que nasce. E mesmo quando são, elas podem não ter o comprovante de registro. Estima-se que 237 milhões de crianças menores de cinco anos em todo o mundo não têm certidão de nascimento.

Uma certidão de nascimento serve como prova da elegibilidade de uma criança para a nacionalidade, provando o país em que ela nasceu e documentando a identidade de seus pais.

“É fundamental que todas as crianças sejam registradas ao nascer para garantir sua saúde e bem-estar”, afirma Cornelius Williams, Diretor Associado de Proteção à Criança do UNICEF. “Sem uma certidão de nascimento, uma criança corre maior risco de apatridia e exclusão de serviços essenciais, incluindo saúde e educação. Nossa análise mostra que os governos em todo o mundo devem tomar medidas urgentes para que a discriminação não impeça as mulheres de registrar o nascimento de seus filhos em condições de igualdade aos homens.”

A análise conjunta do ACNUR e do UNICEF também mostrou que diferentes países, como Guiné, Sudão do Sul, Moçambique e Nepal, tomaram medidas para reformar as leis de registro civil, garantindo direitos iguais às mulheres no registro de nascimento.

O novo relatório sugere medidas que podem ser tomadas para eliminar a discriminação do processo de registro de nascimento, incluindo reformas legais e conscientização entre mulheres, famílias e comunidades para apoiar os direitos das mães e aumentar a compreensão sobre a importância do registro de nascimento.

O ACNUR e o UNICEF lideram conjuntamente a Coalizão pelo Direito de Todas as Crianças à Nacionalidade, que foi criada para lidar com a apatridia entre crianças como parte da Campanha #IBelong para o fim da apatridia.

Contexto – A Convenção dos Direitos da Criança, o tratado de direitos humanos mais amplamente ratificado da história, inclui o registro de nascimento entre os direitos fundamentais das crianças. Da mesma forma, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres conclama os Estados a conceder às mulheres direitos iguais aos dos homens no que diz respeito à concessão da nacionalidade a seus filhos. No entanto, a apatridia na infância continua sendo um problema global, o que pode levar a gerações sucessivas de famílias que não são reconhecidas como cidadãs de nenhum país.

Para mais informações, entre em contato:

ACNUR: Shabia Mantoo, mantoo@unhcr.org, +41 79 337 7650

UNICEF: Christopher Tidey, ctidey@unicef.org, +1 917 340 3017

Matéria reproduzida na íntegra - Site ACNUR Brasil

 

OIM e DPU concluem ciclo de capacitações para Organizações da Sociedade Civil que prestam assistência jurídica a migrantes

Enviado em 06/07/2021 - 12:34

Alojamento_temporário (c) Jessica Fernandes

A Organização Internacional para as Migrações (OIM) e a Defensoria Pública da União (DPU) concluíram esta semana um ciclo de sete oficinas para organizações da sociedade civil que atuam na assistência jurídica a migrantes. As oficinas ocorreram ao longo dos meses de maio e junho, em formato digital, e foram oferecidas a um conjunto de 29 organizações da sociedade civil (OSC) que atuam de norte a sul do país.

Os temas abordados durante as oficinas incluíram a regularização migratória, assistência a vítimas de tráfico de pessoas, crianças e adolescentes migrantes, migrantes indígenas, migrantes em conflito com a lei, desafios enfrentados pelas mulheres migrantes e direito à moradia.

As oficinas utilizaram uma metodologia participativa para identificar e sistematizar as principais lacunas identificadas pelas OSC em cada um dos temas, assim como possibilidades para a atuação em rede no enfrentamento destas questões. Um exemplo são os obstáculos relacionados à comunicação em diversos idiomas, assim como as necessidades de tradução. Em alguns casos, uma mesma organização pode ter de lidar com idiomas tão diferentes quanto o Warao, o Creole ou o Árabe.

O resultado das setes atividades faz parte da construção de uma rede de cooperação entre as organizações para a troca de conhecimentos e o fortalecimento das ações de atenção jurídica aos migrantes e refugiados, que possa enfrentar estas situações de maneira mais efetiva, compartilhando experiências e boas práticas e desenvolvendo soluções conjuntas.

O ciclo de oficinas que se encerra poderá também guiar futuras atuações da OIM e da DPU. Segundo o Chefe de Missão da OIM no Brasil, Stéphane Rostiaux, “uma grande parte da assistência jurídica aos migrantes é hoje prestada pela sociedade civil, sendo fundamental fortalecer esses atores e aprimorar suas parcerias com os atores públicos, como a DPU”.

A iniciativa se insere em uma parceria já consolidada entre a OIM e a DPU. Segundo o Dr. João Chaves, da DPU-SP, “a realização das oficinas de capacitação do projeto se mostrou muito relevante pela necessidade de pôr em contato as pessoas que atuam na assistência jurídica a migrantes, revelar as dificuldades de divulgação de informações e consolidação de rotinas de atendimento, e pôr um pouco mais de luz e atenção a determinados temas que normalmente não são abordados em capacitações voltadas a organizações de atendimento a migrantes, como foi o caso da oficina sobre direito à moradia e também de migrantes em conflito com a lei”.

O ciclo de capacitações é parte do projeto “Construindo e fortalecendo a capacidade de resposta à migração dos atores locais em coordenação com as autoridades públicas federais no Brasil”, financiado pelo Fundo da OIM para o Desenvolvimento. A próxima etapa do projeto é o lançamento do Manual de Atendimento Jurídico, que se encontra em fase final de edição.

 

Matéria extraída, na íntegra, do site OIM Brasil 

 

Capacitação: atendimento de migrantes e refugiados LGBTQIA+

Enviado em 06/07/2021 - 11:44

Migração, Refúgio e pessoas LGBTQIA+




A Cáritas Brasileira Regional Paraná e o Instituto de Políticas Públicas Migratórias convidam vocês para a Capacitação: atendimento de migrantes e refugiados LGBTQIA+



Quanto: 16 de junho de 2021

Horário: Às 14 horas

Onde: Plataforma Google Meet

Inscrição: Clique no card ou aqui

Revalidação de diplomas é um dos pilares para independência financeira de refugiados

Enviado em 05/07/2021 - 12:59

No Brasil, o sírio Muhand Aldaas já passou por São Paulo (SP), João Pessoa (PB) e atualmente reside em Porto Alegre (RS). Além da revalidação do diploma, conseguiu também cidadania brasileira. © Arquivo pessoal - ACNUR

Projeto da Compassiva, que conta com o apoio do ACNUR, já resultou em 106 processos concluídos com sucesso desde o início da parceria em 2016


Por Ana Cipriano  

 

No Brasil, o sírio Muhand Aldaas já passou por São Paulo (SP), João Pessoa (PB) e atualmente reside em Porto Alegre (RS). Além da revalidação do diploma, conseguiu também cidadania brasileira. © Arquivo pessoal - ACNUR

 

Muhanad Aldaas nasceu e se formou em arquitetura na Síria, mas não teve a chance de colocar todo o aprendizado em prática em seu país de origem. Mas, isso não o tirou a vontade de trabalhar e fazer o que realmente gosta. “Parece que é a profissão que escolhe a gente”, reflete. Assim como ele, diversas pessoas refugiadas, quando chegam no país de acolhida, têm o desejo de voltar a atuar em suas áreas de especialidade e trabalhar em suas áreas de formação, mas em muitas situações esse desejo torna-se uma realidade distante.

A inserção e integração ao mercado de trabalho local é dificultada por dois principais motivos: as barreiras linguísticas e de comunicação e a burocracia relacionada à regularização de documentação. Este último, impede que diversos profissionais de outras nacionalidades atuem em setores alinhados às suas formações e faz com que tenham que buscar caminhos que, nem sempre, suprem suas necessidades financeiras.

Foi a partir dessa constatação e dos depoimentos de pessoas refugiadas relatavam em grupos focais realizados pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) que a Compassiva, em 2016, firmou para trabalhar na revalidação de diplomas de refugiados no Brasil para tentar reverter essa situação.

“Nós percebemos que a maioria dos refugiados que vinham da Síria, Iraque, Palestina e de outros países da região, por exemplo, já tinham diplomas e experiências de trabalho muito significativas, mas não conseguiam reconstruir suas vidas aqui como era antes”, afirma André Leitão, presidente executivo da Compassiva.

Muhanad foi um dos beneficiados pelo projeto da Compassiva com o ACNUR. Formou-se em arquitetura na Síria, mas não teve tempo de colocar em prática tudo o que aprendeu ao longo da graduação, após o avanço dos conflitos no país. Antes de chegar ao Brasil, ele morou na Argélia, onde pôde trabalhar por um tempo na área, mas sem o direito de assinar os projetos como arquiteto, porque não tinha carteira assinada. Aqui, as coisas não foram muito diferentes no início por não ter um diploma válido em território nacional. Por meio de amigos da comunidade árabe, o sírio conheceu o trabalho de revalidação da Compassiva e iniciou o processo junto à Universidade Federal Fluminense (UFF), universidade que integra a Cátedra Sérgio Vieira de Mello do ACNUR.

Após a entrega de toda a documentação necessária e a apresentação de um projeto final sobre os programas governamentais relacionados à situação de habitação de interesse em seu país de origem, Muhanad conseguiu revalidar seu diploma.

Mas, um processo que deveria ter durado não mais do que 180 dias, acabou se estendendo por quase dois anos, entre 2015 e 2017. Mesmo com portarias que sejam reconhecidas pelo MEC, a documentação ainda é uma barreira para muitos requerentes. Além disso, muitas instituições de ensino superior falham em prestar atendimentos humanizados e sensíveis à causa dos refugiados.

Os processos de revalidação de diplomas também acabam encontrando limitações acadêmicas. Atualmente, apenas universidades públicas brasileiras são elegíveis para este processo. Segundo André, uma das lutas da Compassiva é que universidades particulares reconhecidas pelo MEC tenham permissão para emitir a regularização dos documentos, o que aumentaria a disponibilidade de cursos e facilitaria a busca por equivalência acadêmica com o diploma de outros países.

Revalidação e independência

Ter um diploma reconhecido no Brasil pode significar para muitas pessoas refugiadas a oportunidade de conseguir independência financeira e garantir que suas competências sejam assimiladas nos novos espaços.

“Atualmente, eu não estou trabalhando como arquiteto, mas quando chegar o momento eu vou precisar do meu diploma. Eu acredito que todas as pessoas deveriam ir atrás da revalidação e eu agradeço muito a Compassiva por ter facilitado esse processo”, afirma Muhanad.

Em um episódio do Com.partilha – podcast desenvolvido e apresentado pela Compassiva -, que lançou um novo episódio sobre os bastidores das revalidações, a refugiada venezuelana Ana del Valle conta um pouco de sua trajetória com a regularização dos documentos, que está quase finalizada.

Ela tem formação em matemática e chegou ao Brasil em 2017. “Ainda quero exercer minha profissão. Eu tenho mais de dez anos de experiência em ensino. Quando cheguei no Brasil, a intenção era trabalhar na minha área, mas eu não tinha conhecimento de como era a dinâmica de trabalho aqui”, comenta Ana.

Mesmo ainda estando em busca de uma recolocação no mercado de trabalho em sua área de especialização, a professora não pensa em voltar à Venezuela neste momento. “Eu gosto da diversidade que existe aqui. Alguns processos são ainda rígidos e burocráticos, mas as diferentes lutas sociais que existem aqui são muito interessantes. Essa liberdade de pensamento é muito importante e é algo que não existe muito no meu país.”

“É essencial que cada vez mais pessoas refugiadas tenham acesso ao serviço de revalidação de diplomas oferecido pela Compassiva desde 2016, em parceria com o ACNUR. Além de garantir que as pessoas refugiadas possam reconstruir suas vidas com maior estabilidade, ter um diploma válido no território brasileiro facilita sua inserção no mercado de trabalho, garantindo autossuficiência, aprimoramento de conhecimentos e mais inovação dentro de empresas”, afirma Maria Beatriz Nogueira, chefe do escritório do ACNUR em São Paulo.

Para André, o reconhecimento do diploma é justamente a oportunidade que se tem, por parte de refugiados e migrantes, de serem vistos não como um fardo, mas sim como uma contribuição positiva para o desenvolvimento local.

“Além do cuidado daquela pessoa como indivíduo, o diploma revalidado é a restauração de parte da sua história como ser humano, além de fazer com que ela seja parte ativa da sociedade da qual ela faz parte. Torna possível que seja uma pessoa que contribui com a economia do Brasil e com o crescimento do país, ao trazer toda essa riqueza e bagagem”, explica.

Revalidação em números

Desde o início da parceria com o ACNUR, em 2016, a Compassive já deu entrada em 464 pedidos de revalidação de diplomas. Ao longo de cinco anos de projeto, 106 diplomas de graduação foram revalidados. Outros 245 processos estão em avaliação por parte das universidades.

ACNUR e Compassiva continuam a atuar juntas no campo da revalidação para garantir que cada vez mais pessoas em situação de deslocamento forçado tenham acesso à regularização de seus documentos e possam se desenvolver no Brasil em plenitude, ao colocar em prática anos de dedicação e estudo. De acordo com uma pesquisa conduzida pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello em 2019 sobre o perfil socioeconômico dos refugiados que vivem no Brasilcerca de 34% dessa população tinham ensino superior completo e 25,2% estavam fora do mercado de trabalho, evidenciando o quanto o país perde em não conseguir absorver uma mão e obra e conhecimentos tão qualificados.

Matéria reproduzida - site ACNUR

Microcrédito fomenta empreendimentos de pessoas refugiadas e migrantes em São Paulo

Enviado em 01/07/2021 - 10:00
Reprodução: Dominga Antonia atuava como professora na Venezuela e enquanto aguarda regularização de sua documentação profissional, atua como costureira em São Paulo. © Arquivo pessoal

Linha de crédito lançada pelo Banco do Povo em parceria do ACNUR já beneficiou 89 pessoasdesde o lançamento em 2020


Por Ana Cipriano 

 
 – “Eu quero trabalhar”, afirma Dominga Antonia, venezuelana refugiada que vive no Brasil desde 2016. Essa é a expectativa dela e de diversas outras pessoas refugiadas que chegam ao Brasil, ao serem forçadas a abandonar seus empregos e seus países devido a conflitos e perseguições de diferentes naturezas. Quando chegam no Brasil, enfrentam uma dificuldade comum: o acesso ao mercado de trabalho condizente com suas áreas de formação.

Em muitos casos, empreender é a solução encontrada por essas pessoas para bancar o próprio sustento e de suas famílias, já que conseguir vagas de emprego nas suas áreas de especialidade torna-se um processo incerto e burocrático (por requerer a confirmação de suas experiências profissionais ou a validação de seus diplomas de ensino superior).

A linha de crédito para pessoas refugiadas e migrantes foi inicialmente lançada pelo Banco do Povo Crédito Solidário (BPCS) em maio de 2020. Desde então, Banco liberou R$ 203 mil para 89 pessoas de diferentes nacionalidades. Mas, foi em outubro de 2020, que com o intuito de facilitar o empreendedorismo entre as pessoas refugiadas e migrantes, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) buscou apoio do BPCS e ambas instituições assinaram um acordo de cooperação que tem como objetivo promover o acesso de pessoas refugiadas e migrantes à inclusão financeira, por meio de empréstimos de microcrédito para empreendedores.

Uma pesquisa publicada pelo ACNUR em 2019 constata que a população refugiada no Brasil tem elevada formação acadêmica (mais de 34% concluíram o ensino superior) e que cerca de 80% dos entrevistados afirmam ter disposição para empreender, sendo que 22% já estão em atividades empresariais.

Dominga, venezuelana refugiada, por exemplo, era professora de educação infantil aposentada e teve que sair do país porque já não conseguia se sustentar com o que ganhava. Em 2019, participou do projeto Empoderando Refugiadas, momento em que conheceu o trabalho do Banco do Povo.

Como ela não podia atuar como professora em terras brasileiras, decidiu tentar o acesso ao microcrédito para investir em equipamentos e materiais de costura. Dominga conseguiu o crédito em agosto de 2020 e já pensa em pedir outra remessa para ampliar seu negócio.

“Quando cheguei aqui, já sabia costurar. Mas nunca imaginei que isso que eu aprendi serviria para me sustentar fora do  meu país”, reflete.

Uma história parecida é a do refugiado venezuelano Victor Sifontes. Ele chegou ao Brasil com a família em 2019, quando decidiu que era o momento de deixar a Venezuela pelas dificuldades de sustento. Lá, trabalhou durante cinco anos como mecânico perfurador de poços de petróleo, mas quando chegou em São Paulo trabalhou em diversos restaurantes até a decisão de abrir seu próprio negócio. Foi nesse momento que, através de um amigo, conheceu o Banco do Povo e a linha de crédito da instituição.

Victor se interessou pelo projeto, ligou ao Banco e pediu uma oportunidade, que foi concedida. Com o microcrédito em mãos, decidiu investir como sócio em um restaurante na capital paulista. No entanto, as dificuldades causadas pela pandemia fizeram com que o empreendedor deixasse o setor alimentício e buscasse novos caminhos. Há cerca de cinco meses, o venezuelano e a esposa investem parte do dinheiro concedido pelo BPCS em uma loja online de roupas femininas.

“Todos os dias, aprendo algo novo. Quando cheguei aqui, não sabia nada sobre o preparo de alimentação ou sobre roupas femininas, mas fui aprendendo aos poucos e investindo”, afirma.

O diretor executivo do BPCS, Fabio Maschio Rodrigues, explica as razões de conceder empréstimos para essa parcela da população.

“Todas as questões ligadas ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de negócios por parte de pessoas que têm dificuldade de acesso a serviços financeiros fazem parte da nossa missão. Quando identificamos que existe um público, seja ele brasileiro ou não, que tem dificuldade de acesso a recursos financeiros e que chega ao Banco do Povo como uma alternativa de geração de renda, trabalho e ocupação, percebemos que isso vai ao encontro dos nossos objetivos”, afirma Fabio Maschio Rodrigues, diretor executivo do BPCS.

Atualmente, um dos maiores objetivos do BPCS é aumentar a carteira de clientes. O número de pessoas impactadas pela linha de crédito ainda é pequeno, mas o projeto tem grande potencial de crescimento.

“Hoje, nossa maior dificuldade é fazer com que essas pessoas nos encontrem. Depois que eles chegam até nós, procuramos entender as dificuldades e as histórias delas para podermos apoiá-los. Mas, em face da pandemia, nossa função é fomentar empreendimentos, sejam eles de brasileiros ou de pessoas refugiadas”, conclui Fábio.

Para Paulo Sergio de Almeida, Oficial de Meios de Vida do ACNUR no Brasil, “o acesso ao microcrédito é um meio fundamental para que as pessoas refugiadas empreendedoras possam alcançar soluções sustentáveis para seus negócios, tornando a economia local mais dinâmica e contribuindo para o desenvolvimento do país como um todo”, afirma.

O ímpeto pelo empreendedorismo somado à capacidade de prover financiamento para que os projetos de pessoas refugiadas se concretizem é um real mecanismo de enfrentamento ao contexto de dificuldades econômicas, uma estratégia convergente entre ACNUR e BPCS.

 

Matéria reproduzida - site ACNUR 

Ministério lança programa de inclusão socioeconômica para imigrantes

Enviado em 29/06/2021 - 09:54

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil 

 

 

Programa vai beneficiar 200 mulheres imigrantes


Por Camila Boehm - Repórter da Agência Brasil - São Paulo 

 

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o Movimento Virada Feminina e a Casa Venezuela, com o apoio da Organização Internacional para as Migrações (OIM), lançaram, nesta sexta-feira (25), o programa de inclusão socioeconômica Beleza Além das Fronteiras. Serão 200 mulheres venezuelanas e imigrantes de países vizinhos beneficiadas com a ação inicialmente.

Segundo o ministério, a iniciativa tem o objetivo de investir na autonomia econômica dessas mulheres com a inserção no mercado da beleza e integração no Brasil. As candidatas participarão de curso de assistente de cabeleireiro, de preparação para inclusão no mercado de trabalho e de treinamento para entrevistas. Elas terão apoio também para abertura do registro como Microempreendedor Individual (MEI).

As mulheres participantes receberão um kit de prevenção contra a covid-19 e um kit com equipamentos para a atividade profissional. Elas terão também acesso a informações sobre enfrentamento da violência contra a mulher, desenvolvimento de microempresas, informações financeiras, promoção da saúde da mulher e direitos trabalhistas.

No evento de lançamento do programa, na noite desta sexta-feira, na capital paulista, a ministra Damares Alves disse aos presentes que “quem nunca foi lá na [Operação] Acolhida precisa ir, vocês precisam ir lá”, referindo-se no local de entrada dos venezuelanos no Brasil, região de fronteira entre os dois países, em Roraima. “É emocionante ir lá, vocês precisam ir lá. E, quando vocês chegarem lá, vocês vão perceber que tenda não é lar, acampamento não é lar e a gente precisa ajudar a interiorizar.”

Damares disse o número de pessoas interiorizadas ultrapassaram 52 mil. “Nós estamos fazendo isso porque se fosse ao contrário esse povo incrível, que é o povo venezuelano, estaria nos acolhendo lá, nós precisamos acolher desta forma, com dignidade”, disse.

Edição: Fábio Massalli

Matéria reproduzida - site  agenciabrasil.ebc.com.br

 

Tratamento de imigrantes em privação de liberdade tem novas regras

Enviado em 29/06/2021 - 09:39

Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ


Com o objetivo de assegurar os direitos das pessoas imigrantes em conflito com a lei, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, durante a 89ª Sessão Virtual, encerrada na sexta-feira (25/6), novos procedimentos para tratamento delas.

De acordo com o relator do ato normativo, conselheiro Mario Guerreiro, a necessidade de uma nova regulamentação surge a partir da revogação do Estatuto do Estrangeiro e sua substituição pela Lei 13.445/2017, chamada Lei de Migração.

O tema era regulamentado pela Resolução CNJ n. 162/2012 e, segundo o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, havia a necessidade de atualizar a norma, tanto pelo quantitativo de pessoas imigrantes em estabelecimentos penais brasileiros como pela ausência de um tratamento uniforme da matéria no Poder Judiciário.

Além disso, a nova resolução foi baseada na Convenção de Viena e contou com pedido do Ministério da Justiça e Segurança Pública para adequar o envio de documentos à nova lei. “A nova legislação trouxe relevantes e substanciosas modificações sobre a temática, alcançando, inclusive, as práticas judiciais. Consolidou verdadeira mudança de paradigma na política migratória nacional”, destacou Mário Guerreiro.

Segundo o conselheiro do CNJ, a regulamentação aprovada traz procedimentos e diretrizes unificados na jurisdição penal, capazes de refletir o necessário respeito à cláusula do devido processo legal nos processos em que pessoa migrante figure como custodiada, acusada, ré ou condenada. Para elaborar a proposta, o DMF teve a colaboração técnica do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) por meio do programa Fazendo Justiça, que também irá produzir manual para apoiar a implementação da normativa.

O texto ainda recebeu contribuições do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), da Polícia Federal, da Secretaria Nacional de Justiça, da Defensoria Pública da União e do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. “O normativo busca consolidar orientações aos órgãos do Poder Judiciário, a fim de estabelecer protocolos de atuação que promovam o atendimento aos direitos processuais e internacionais da pessoa migrante, previstos na legislação e reconhecidos pelo Estado brasileiro perante a comunidade internacional”, observou Guerreiro.

Ele explicou que a elaboração da nova resolução parte de conceito de pessoa migrante, baseado na Resolução n. 4/2019 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Segundo o conselheiro do CNJ, o texto observa os compromissos do Brasil com normas internacionais para prevenção do tráfico de pessoas e tratamento de refugiadas, além das regras previstas na Convenção de Viena sobre Relações Consulares, Regras de Mandela e Regras de Bangkok.

De acordo com o juiz auxiliar da Presidência com atuação no DMF, Gustavo Direito, a normativa é mais uma iniciativa do CNJ para garantir atenção aos mais vulneráveis dentro de um campo já marcado por estigma e marginalização. “Assim como ocorreu com a população indígena em 2019 e com a população LGBTI em 2020, o CNJ segue instrumentalizando o Judiciário por uma atuação que faça cumprir normativas nacionais e internacionais no campo da privação de liberdade.”

Audiências de custódia

Segundo Mário Guerreiro, “a resolução também traz diretrizes para a realização de audiência de custódia, nos moldes preconizados pela Resolução CNJ n. 213/2015, adaptando-as à situação da pessoa migrante”. A norma prevê, inclusive, o encaminhamento a programas de acolhimento e moradia, em caso de relaxamento do flagrante ou concessão de liberdade provisória, com a comunicação à autoridade judicial do local onde a pessoa passará a residir. O texto determina também a promoção, por tribunais e escolas de magistratura, de cursos destinados à qualificação funcional das equipes que atuam em unidades que atendem a imigrantes.

A manutenção da posse dos documentos necessários ao exercício dos direitos, tais como passaporte ou documentos válidos de viagem, também é contemplado pelo texto que, de acordo com o conselheiro, observa o princípio estabelecido pela Resolução n. 4/2019 da CIDH. “A situação da mulher migrante é alvo de atenção, sendo respeitadas as normativas internacionais, com destaque para as Regras de Bangkok e a jurisprudência da Suprema Corte.”

A questão da maternidade transnacional, destacou o relator, também recebe atenção especial. “O que inclui a visibilização de outras vivências de maternidade, quando os filhos não acompanharam a mãe no movimento migratório e permanecem no país de origem ou de residência”, explicou. De acordo com o conselheiro, isso ocorre porque a maternidade não se resume ao contato e aos cuidados diretos com a criança, dada a pluralidade de experiências possíveis. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça.

Clique aqui para ler a resolução
Ato normativo 0009272-52.2017.2.00.0000

Revista Consultor Jurídico, 28 de junho de 2021, 10h19

Matéria reproduzida do  conjur.com.br

 

LGBTI celebram avanços em 10 anos de uniões homoafetivas no Brasil

Enviado em 28/06/2021 - 12:41

Uniões foram reconhecidas pelo STF em 2011 como entidades familiares


Por Vinícius Lisboa - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

 

O “sim” unânime dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, em 2011, as uniões homoafetivas como entidades familiares, abrindo caminho a uma década de avanços para a população de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais (LGBTI) brasileiros. Reconhecida pelo Comitê Nacional do Brasil, do Programa Memória do Mundo da Unesco, como patrimônio documental da humanidade, a decisão completou dez anos em 5 de maio de 2021, assim como já fazem bodas casais que se uniram a partir dela e celebram, neste Dia Internacional do Orgulho LGBTI (28), direitos conquistados em décadas de luta por igualdade e dignidade.

As advogadas Patrícia Farina, de 35 anos, e Fernanda Marques, de 49 anos, já namoravam há seis anos quando o Supremo abriu as portas para que, anos mais tarde, elas se casassem em um cartório no bairro da Liberdade, em São Paulo. A realização de casamentos homoafetivos em qualquer cartório do Brasil foi garantida em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e, em 2015, as duas decidiram assinar os papéis por um motivo pragmático, lembra Patrícia, que, até então, não tinha o casamento como um sonho. 

“Quando a gente pensou em ir para os Estados Unidos (EUA), vimos que não ia rolar de conseguir o visto se não estivéssemos casadas. Ela não tinha imóvel nenhum e era autônoma, então era muito fácil negarem o visto dela”, lembra Patrícia, que foi surpreendida pela emoção que o casamento trouxe. “Deu tudo errado, a gente acabou não indo para os Estados Unidos, mas foi tão importante. A minha chavinha virou exatamente na hora em que ela colocou a aliança no meu dedo. Fiquei muito emocionada. Ali, comecei a achar que era o meu sonho e eu não sabia. Foi muito especial para mim”.

Patrícia lembra que nunca havia ido a um casamento homoafetivo como convidada, mas, depois do seu, muitos vieram. “A gente se casou e, nos seis meses seguintes, foi uma galera. No dia, foi tão emocionante, as meninas e os meninos ficaram tão emocionados, que começaram a falar que estavam loucos para se casar. Na hora em que jogamos o buquê, os que pegaram já foram os próximos mesmo”, conta a advogada, que acredita que o casamento fez com que tivesse ainda mais coragem de se posicionar como mulher lésbica. “Eu nunca me escondi, mas também não me jogava para o mundo. A partir daí, foi um processo de começar a me jogar para o mundo. De me perguntarem: ‘O que ela é sua?’, e eu responder: ‘é minha esposa’. Muda muito e te dá uma segurança maior”.

Apesar de o STF ter reconhecido a união estável homoafetiva em 2011 com os mesmos direitos da heteroafetiva, a conversão dessa união em casamento ainda dependia de uma sentença judicial, o que só mudou em todo o país em 2013, com a resolução do CNJ que determinou que nenhum cartório poderia rejeitar a realização de casamentos homoafetivos. Antes disso, a necessidade de entrar na Justiça ou a possibilidade de casar diretamente no cartório dependia de onde o casal morava. 

As primeiras uniões estáveis homoafetivas convertidas em casamento pela via judicial ocorreram no país em junho de 2011. Em outubro, o primeiro casal de mulheres conseguiu decisão favorável para realizar um casamento sem que houvesse união estável anterior e, em dezembro daquele ano, ocorreu o primeiro casamento homoafetivo do Brasil, firmado diretamente em cartório, sem sentença judicial, em Porto Alegre. Ao tomarem conhecimento dessa possibilidade, o cientista político Lucas Rezende, de 38 anos, e o empresário Felipe Matos, também de 38 anos, foram a esse cartório gaúcho em julho de 2012. A incerteza se conseguiriam ou não formalizar a união fez com que nem marcassem uma festa para celebrá-la, conta Lucas, que chegou ao cartório ainda inseguro sobre o que aconteceria. 

“Quando nos casamos, a gente não sabia se o casamento ia acontecer mesmo, se seria suspenso, se seria cancelado pela Justiça ou qualquer coisa do tipo” lembra ele, que não deixou de comemorar a união com uma festa meses depois, com amigos como celebrantes. “Foi a primeira [festa de casamento homoafetivo] de todos ali. Muitos dos amigos que estavam lá tomaram coragem para se casar depois do nosso casamento. Isso foi muito legal”.

Além do orgulho de poder celebrar seu relacionamento como qualquer casal, Lucas conta que a formalização foi um passo fundamental para muitos outros na vida a dois. “Fizemos plano de saúde juntos, que foi a primeira coisa, uma conta bancária juntos, depois compramos uma casa juntos, e, por fim, adotamos uma criança. Foram questões que só se tornaram possíveis depois da formalização do nosso casamento”, conta ele, que acredita que as decisões do STF e do CNJ impulsionaram também a visibilidade dos casais LGBTI na imprensa e na publicidade. “A presença dos casais homoafetivos na cultura e na sociedade, na mídia e na propaganda ainda é pequena, porque há muito mais pessoas que são casais homoafetivos. Mas o avanço que houve é importantíssimo, significativo, e indica o progresso e a inclusão, por mais que haja ondas de retrocesso”.

DIA DO ORGULHO LGBT

DIA DO ORGULHO LGBT - Arquivo pessoal

Primeiro passo

O Dia do Orgulho LGBTI é celebrado em 28 de junho para lembrar a data em que gays, lésbicas, bissexuais transexuais e travestis que frequentavam o bar Stonewall Inn, em Nova York, se rebelaram contra a repressão preconceituosa da polícia e reivindicaram direitos civis, em uma marcha nas ruas da cidade americana. Desde então, mais de 50 anos se passaram, e as  uniões civis entre homossexuais passaram a ser garantidas em 34 países, segundo a Associação Internacional LGBTI (Ilga), e, em 28, pessoas do mesmo sexo puderam se casar. No Brasil, de acordo com as Estatísticas de Registro Civil reunidas pelo IBGE, cerca de 28 mil casais homoafetivos oficializaram casamentos entre 2013 e 2019.

Os direitos estendidos à população LGBTI, a partir de sucessivas decisões do Judiciário desde 2011, devem ser comemorados, mas a falta de leis sobre o tema também preocupa, na opinião do presidente da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH), Saulo Amorim. Ele lamenta que a decisão foi um primeiro passo que não foi seguido por leis que consolidam esse direito. 

“A decisão de 2011 abriu espaço para todas as outras, porque quando entendo a união LGBTI como uma entidade familiar, entendo que aquelas pessoas podem adotar, podem deixar sucessão, podem ter os benefícios fiscais, previdenciários e de saúde que todas as outras têm. Por isso, foi um marco histórico. Mas, a partir daí, nada em termos de lei foi feito para consolidar essa decisão jurisprudencial. Dez anos se passaram, e o Legislativo não foi capaz de transformar uma jurisprudência em lei”, cobra Amorim, acrescentando que muitas vezes projetos de lei criados para conceder direitos a essa população são descaracterizados ou engavetados.

O presidente da associação de famílias explica a importância do casamento, independentemente de ser um sonho ou uma decisão pragmática para suprir necessidades da vida de casal. “É uma questão de orgulho no sentido de que não importa minha orientação sexual, não importa minha identidade de gênero, nem a conformação biológica do meu corpo. Importa que sou brasileiro e quero ter acesso a todos os direitos, como todo cidadão deve ter”.

Na década que se seguiu à decisão que reconheceu uniões homoafetivas, também houve avanços para a população transgênero. Entre as conquistas, a presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, destaca o direito de corrigir o nome e o gênero nos documentos diretamente em cartório, sem a necessidade de processos judiciais ou cirurgias de redesignação sexual, segundo decisão do STF de 2018.

“Essa decisão não veio somente por um lampejo de bondade dos ministros do Supremo, veio de uma longa batalha nas décadas de 80 e 90, principalmente das travestis, que estavam na rua se prostituindo, em que o nome social era chamado de nome de guerra. Quando o Supremo permite fazer pela via administrativa, para nós é uma grande conquista”, comemora ela, que compara que a via judicial chegava a demorar de seis meses a um ano e dependia da compreensão de cada juiz sobre a transexualidade.

Ainda que os avanços sejam importantes, Keila Simpson lembra que o cenário de violência e discriminação ainda é bastante presente. “Não estou descartando esse avanço, mas continuo falando que essa população ainda está sendo assassinada. Então, em alguns aspectos, a vida está a mesma de sempre, na questão da exclusão, da violência e do estigma”, afirma. “Nesse dia 28 de junho de 2021, a gente quer uma compreensão maior da sociedade, uma compreensão melhor de quem somos e reivindicar o respeito que merecemos como cidadãs desse país”.

Bodas de zinco

Os dez anos da decisão do STF marcam também os dez anos de reconhecimento do Estado brasileiro à união de Toni Reis e David Harrad, que formalizaram união estável apenas cinco dias depois da decisão do Supremo. Diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI, Toni lembra que se sentiu um cidadão pleno com a garantia conquistada.

“Senti que acabou o suplício, o calvário. Agora eu sou família, queiram ou não os fundamentalistas e esse pessoal que prega a heteronormatividade compulsória. Nos sentimos plenos”, lembra ele, que converteu a união em casamento em 2018. “Me senti brasileiro”.

Toni e David estão juntos desde 1990 e enfrentaram uma série de obstáculos jurídicos para garantir o reconhecimento à sua união, já que a permanência no Brasil de David, que é estrangeiro, dependia disso. Com mais de 40 anos de ativismo, o diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI vê com otimismo os avanços obtidos.

“Nós não podíamos falar que éramos gays, porque éramos pecadores, doentes ou criminosos fora da norma, e, hoje, nós podemos casar, compor nossas famílias, estamos na publicidade, estamos nas empresas”, argumenta Toni Reis. “Em 2011, não podíamos casar, não podíamos adotar, não podíamos doar sangue, não podíamos mudar de gênero nos documentos. Em 2021 temos muito mais dignidade que em 2011”.

Apesar disso, ele lembra que a violência, a discriminação e a dificuldade de acesso a direitos básicos, como o emprego e a educação, permanecem como desafios que precisam ser enfrentados, fazendo valer decisões como a que equiparou a LGBTfobia ao crime de racismo, em 2019. “Temos muitos desafios, temos que fazer cumprir todas as decisões do Supremo Tribunal Federal, toda a Constituição Federal e as convenções internacionais em todos os municípios e estados brasileiros”. 

Edição: Graça Adjuto

Matéria extraída, na íntegra do site AgênciaBrasil