Parem de nos matar: o Brasil dos feminicídios e as mulheres migrantes

por Bruna Souza Jacob*
 

O Feminicídio no Brasil é um problema social grave e que precisa ser enfrentado e erradicado. A cultura do estupro advinda do machismo e do ódio as mulheres, faz diariamente vitimas por todo o país. Desde 2015 temos a lei 13.104/2015 que discorre sobre o feminicídio. A legislação considera as condições do gênero feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar, menosprezo e descriminação a condição de mulher. No entanto, ao passo que temos uma vitória com aprovação do feminicídio como qualificadora, não temos visto uma diminuição concreta dos casos no país com o passar dos anos. 

O Brasil continua um país muito violento para as mulheres. Em 2023 no primeiro semestre tivemos um aumento de 2,6% de feminicídios em relação ao mesmo período do ano em 2022, segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O casos de estupro também tivem alta de 14,9% no primeiro semestre de 2023 se comparados ao mesmo período de 2022. Ainda que saibamos que os casos de violência contra as mulheres são subnotificados, - um outro desafio que enfrentamos -  é preocupante esse crescimento constatado de casos de violência contra às mulheres nos ultimos anos. Podemos relacionar esse fato ao desmonte que aconteceu no último governo federal das Políticas Públicas para as mulheres, a falta de investimento em PPs para as mulheres e a crescente apologia que Bolsonaro e seus aliados faziam da violência contra às mulheres nos apresentam consequências concretas desse discurso e dessa ação nos dias atuais. Mulheres não brancas, pobres e jovens têm seus corpos ainda mais vulnerabilizados, no caso de Julieta e de Florencia, ser mulher migrante abriu uma avenida para a xenofobia aliada ao machismo que levou ambas à morte.  
 
Florencia Aranguren, 31 anos, natural da Argentina, trapezista, artista, encontrada morta no dia 6 de dezembro de 2023, em Búzios, no Rio de Janeiro. Seu corpo estava amarrado a seu cachorro Tronko, que foi fundamental para identificação do seu assassino. A vítima que foi para o interior do RJ com o intuito de começar uma vida no local, 3 dias após sua chegada levou cerca de 18 facadas, foi estuprada e morta enquanto caminhava pela manhã com seu cachorro em uma trilha. 
 
Julieta Ines Hernández Martinez, tinha 38 anos, era natural da Venezuela e morava no Brasil desde 2015. Migrante, nômade, palhaça, bonequeira e viajante de bicicleta, é assim que ela se apresenta em sua descrição do instagram e ainda acrescenta ao fim de sua bio a seguinte frase: “minha casa é o movimento”. A artista, que contava com mais de dez mil seguidores na rede social citada, mostrava sua rotina de viagens por meio da sua conta e como era feliz levando alegria pelo país adentro apesar das dificuldades encontradas na estrada. Fazia parte de um coletivo de artistas e ciclo viajantes: o “Pé Vermei” e também atuava como palhaça no circo de SóLadies. Ela saiu do Rio de Janeiro e planejava chegar em Puerto Ordaz na Venezuela para reencontrar sua mãe. No entanto teve sua vida interrompida pela cultura do estupro e feminicídio presentes no Brasil e no mundo. A artista que estava desaparecida desde o dia 23 de dezembro teve seu corpo encontrado no dia 5 de janeiro em uma mata próxima ao local em que o crime teria acontecido supostamente por um furto de celular, ela foi estuprada e morta.  Mais de 150 cidades pelo Brasil e mundo organizaram no último dia 12/01 pedaladas em homenagem a Julieta e em repúdio ao Feminicídio. 
 
A luta das mulheres auto organizadas trouxe muitas vitórias para a classe, no entanto estamos longe do fim. A nossa luta atualmente é urgente pelo direito das mulheres à liberdade sem ter que vivenciar violência de gênero por onde passam. Os desafios são enormes, no entanto temos certeza que não há outro caminho que não seja o da luta coletiva. Os dados sobre Feminicídio no Brasil seguem impedindo o país de ser um destino seguro para as mulheres que aqui desejam conhecer e/ou refazer suas vidas, e, continua sendo violento para as mulheres nacionais e internacionais. Além do que se distancia dessa forma do 5º objetivo de desenvolvimento sustentável estabelecido pela agenda 2030 das Nações Unidas: acabar com todas as formas de dismininação contra todas as mulheres e meninas. 
É nosso papel romper o silêncio e jogar luz em toda essa problemática responsabilizando o Estado Brasileiro, as autoridades e a sociedade civil sobre a urgência em construir uma sociedade livre do machismo, do racismo e da xenofobia. Florência e Julieta, ambas migrantes, mulheres e artistas tiveram suas vidas interrompidas pela violência de gênero. Foram mortas porque eram mulheres que lutavam por liberdade e se permitiram pensar que poderiam partir em busca de seus sonhos mesmo num mundo tão cruel com as mulheres. Que suas memórias sigam vivas e que sejam combustível de luta e persistência por dias melhores para as mulheres nesse país e no mundo.
 

Florencia Aranguren, Presente! Julieta Ines Hernández Martinez, Presente! 

Seguiremos em Marcha até que TODAS sejamos LIVRES! 

 

 

 

*Bruna Souza Jacob é graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade/DEGF-FFCH UFBA e pesquisa sobre mulheres, feminismos, violência e migração no NAMIR UFBA.

 

 

Referências:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm

https://www.observatoriodamulher.df.gov.br/lei-do-feminicidio/

https://www.brasildefato.com.br/2023/11/27/feminicidio-em-alta-afasta-brasil-da-igualdade-de-genero

https://www.brasildefato.com.br/2023/11/14/crescimento-de-feminicidios-e-estupros-em-2023-reflete-queda-de-investimentos-em-governos-anteriores-diz-pesquisadora

https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf

https://brasil.un.org/pt-br/sdgs