Por: Bruna Souza Jacob¹
¹Bruna Souza Jacob é graduanda do bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA, bissexual e bolsista do NAMIR/UFBA.
O mês de junho é considerado mundialmente o mês que celebra o Orgulho LGBTQIAPN+. Dia 28 de junho comemora-se o dia internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, marcado pela revolta de Stonewall que aconteceu em 1969, na cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos da América (EUA). Nessa data o bar que era um refúgio para pessoas que fogem ao padrão da hetero-cis-normatividade, foi invadido pela polícia local que fortemente reprimiu os protestos que pediam um basta na violência contra a comunidade LGBTQIAPN+. A repressão foi mais forte sobretudo aos corpos queers. Liderados por Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera - ambas pessoas trans - a comunidade em Nova Iorque naquela data pediu por mais direitos, o fim da repressão do Estado e consolidou ao longo da história essa data como um marco internacional na luta por direitos para a comunidade LGBTQIAPN+.
Infelizmente ainda em 2024, precisamos lutar por direitos e contra a violência para essa comunidade tão violentada, criminalizada e morta pelo Estado e pela sociedade. O Brasil registrou 257 mortes violentas de pessoas LGBQIAPN+ em 2023 de acordo com levantamento realizado pelo Grupo Gay Bahia (GGB), a Organização Não Governamental (ONG) LGBT mais antiga da América Latina. Há mais de 40 anos o grupo coleta informações sobre mortes de pessoas da comunidade via pesquisa materiais na mídia, internet e informações de familiares dessas pessoas. Tendo em vista que não temos dados oficiais governamentais sobre essa questão, esse número pode ser e provavelmente é ainda maior que o apresentado pelo GGB. Esses dados coletados colocam o Brasil como um dos lugares mais perigosos no mundo para viver sendo uma pessoa LGBTQIAPN+.
Precisamos pensar um mundo possível em que as pessoas não sejam mortas e violentadas por conta da sua orientação sexual e identidade de gênero. Vestígios históricos nos mostram que em momentos de um passado não tão distante em várias civilizações africanas e indígenas, diversas orientações sexuais e expressões de gêneros eram vividas livremente nessas comunidades. Parafraseando o grande autor e pensador ingena Ailton Krenak: O Futuro é Ancestral. Povos não brancos, especificamente os mais ligados à mãe Terra, estão há tempos nos ensinando cosmovisões diversas e que conviver com a diversidade faz parte da vida coletiva e integrada com a Terra.
A floresta é sinônimo de diversidade e cooperação mútua entre seres. Temos muito que aprender sobre caminhos possíveis de construções sociais sem violência, nossos passos vêm de longe e isso jamais podemos esquecer. É certo que no caso do Brasil a colonização europeia instituiu tempos de muita violência e esse processo ainda não acabou. Celebrar o nosso orgulho é celebrar também a memória de vários ancestrais que já se encantaram lutando por um mundo melhor e pelo direito de amar sem temer. É relembrar Tybira, originário do povo Tupinambá, e o primeiro caso de assassinato por LGBTQIAPN+Fobia que temos notícia no Brasil, em 1614, em São Luís, Maranhão. Tybira foi preso na boca de um canhão e executado pelos europeus acusado do crime de sodomia.
Atualmente, vivemos a era da mobilidade humana, e é fato que muitas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ estão em condição de migrantes e refugiados pelo mundo. É importante deixar explícito que povos já viviam nesses territórios antes deles serem fatiados, explorados, recheados de linhas imaginárias e fronteiras fortemente “protegidas” com armas e repressão violenta, para delimitar países. A exemplo dos Ticunas, povo indigena que vive no Brasil, Peru e Colômbia, inclusive antes de se tornarem esses países separando familiares, comunidades e territórios de identidade por meio de uma fronteira instituída ali pelo Estado.
Migrar é um Direito Humano, bem como exercer sua orientação sexual e identidade de gênero livre de violência e de restrição de direitos por ser quem se é. Da mesma forma que ainda temos muito que avançar nas questões sobre os direitos migratórios, também temos muito para avançar no combate a violência de gênero e sexualidade. Em mais de 70 países é proibido ser LGBTQIAPN+ e em alguns deles a sentença pode ser de morte. Seja pelo estado, seja pelos civis aplicando seu ódio LGBTQIAPN+fóbico. Ontem tivemos a feliz notícia que o governo Rio Grande do Norte publicou uma portaria conjunta que “dispõe sobre a elaboração do Plano Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos de Refugiados, Apátridas e Migrantes LGBTI+ e dá outras providências”. Essa iniciativa torna o RN o primeiro estado do país a ter uma orientação e plano específico para a comunidade LGBTQIAPN+ migrante e refugiada. No entanto, precisamos pressionar enquanto movimento social para que esse plano se multiplique pelos estados do país e que se possa também partindo das experiências estaduais amadurecer e desenvolver um plano a nível nacional para acolher, encaminhar e executar políticas públicas para essa população e suas especificidades.
O Brasil não pode continuar a ser um dos países que mais mata pessoas LGBTQIAPN+ no mundo, precisamos de Políticas Públicas para acolher quem precisa de acolhida em nosso país e garantir vida digna para todas as pessoas independente da sua orientação sexual e identidade de gênero. Nesse dia no Orgulho declaramos que o nosso Orgulho existe! Ele segue sendo resistência em movimento e o nosso amor não tem fronteiras!