Ser mulher, lá e aqui: imigrantes e refugiadas no Brasil falam sobre os desafios que enfrentaram ao cruzar fronteiras

Da esquerda para a direita: Maha Mamo (do Líbano), Rosa Paulina (da Venezuela) e Nana Jabbour (da Síria) — Foto: Arquivo pessoal


"Somos vida, somos luz, amor, resistência, coragem e força."

Esses são os adjetivos usados por Rosa Paulina, 36 anos, imigrante da Venezuela, para descrever o que, para ela, é ser mulher. "Mulher é batalhadora e, especificamente como uma mulher migrante, é ser um símbolo emblemático de perseverança", diz.

Assim como muitas mulheres que saíram de seus países de origem, além dos obstáculos enfrentados naturalmente pelo sexo feminino na busca por mais igualdade e respeito na sociedade, há ainda outros fatores. Barreiras de linguagem e dificuldade para se adaptar a uma nova cultura são apenas alguns dentre eles.

Maha Mamo, de 35 anos, por exemplo, nunca teve a nacionalidade reconhecida por nenhum país. De família síria, ela nasceu no Líbano, mas, por questões legais e religiosas, não teve direito à cidadania local.

À Síria, ela também não podia pertencer. Como o pai é cristão e a mãe, muçulmana, o casamento inter-religioso não foi reconhecido no país árabe. Portanto, nem os filhos decorrentes da união.

Sem pátria, ela pediu refúgio ao Brasil em 2014 e se tornou, ao lado da irmã, a primeira apátrida – indivíduo sem nacionalidade – da história a ter a condição reconhecida pelo governo brasileiro.

"Eu me encontrei no Brasil, eu adoro o país. Para mim, hoje a maior luta é a apatridia. Como existem ainda no mundo 24 países onde a mulher não consegue passar a nacionalidade para o próprio filho, pra mim isso é absurdo", diz Maha, que agora é cidadã brasileira.

Já Nana Jabbour, de 23 anos, veio com a família – pai, mãe e duas irmãs, para fugir da guerra da Síria.

“A minha mãe foi o meu maior exemplo de mulher inspiradora, guerreira e resistente. Ela veio ao Brasil sem saber nada do país, da cultura ou do idioma, e mesmo assim começou um trabalho do zero, numa área que não era dela, gastronomia”, conta Nana.

 

Coragem e amor

Rosa Paulina, 36 anos, imigrante da Venezuela, artesã — Foto: Arquivo pessoal

Rosa Paulina é artesã e saiu da Venezuela com o marido e um filho pequeno. Na época, em 2017, ela também estava grávida do segundo bebê. O motivo da vinda ao Brasil, mais especificamente para a capital federal, foi para buscar melhores condições de vida e de trabalho.

Antes de chegar em Brasília, ela passou por Roraima, Manaus, Pará, Piauí e Bahia. Ela lembra que o litoral era bom para suas vendas de artesanato no verão, mas fora de temporada, não. Por isso, decidiu vir para o Distrito Federal.

No entanto, logo depois de se estabelecer, em 2019, se deparou com a pandemia de Covid-19.

"Eu cheguei aqui com uma criança na barriga e outra criança de 1 ano e 8 meses. Foi um momento bem difícil, porque não conhecíamos ninguém. Não tínhamos quem nos ajudasse e a gente se sentiu vulnerável”, diz Rosa, que foi acolhida pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH).

Depois do período turbulento, ela conta, hoje conseguiu estabilidade. Sua loja de produtos autorais está na Torre de TV, na região central de Brasília.

"Nós mulheres migrantes atravessamos por muita coisa e temos que nos adaptar muito rápido. A gente luta, mas luta com amor, com uma força positiva que pulsa. É essa a energia que a mulher tem, essa capacidade de conseguir fazer várias tarefas ao mesmo tempo", afirma.

 

'Quero viver do jeito que eu gosto, não do jeito que as pessoas esperam'

Maha Mamo, 35 anos, palestrante, no Palácio do Itamaraty em dezembro de 2022 — Foto: Divulgação/ACNUR/Vanessa Beltrame

Para a libanesa Maha Mamo, além de lutar pelo direito de existir, já que viveu anos sem nacionalidade, foi preciso também batalhar por um espaço na sociedade para ser ouvida enquanto mulher. Tanto no seu país de origem, quanto no Brasil.

"Se você está arriscando, empreendendo, dizem que isso é errado, que você tem que ter um trabalho fixo, aceitar o que eles te dão. Então é muito desafiador. Também tem as expectativas que as pessoas têm de você. Eu acho que eu sou uma pessoa muito livre e gostaria de viver do jeito que eu gosto, não do jeito que as pessoas esperam”, diz Maha.

Maha se tornou a primeira refugiada a conquistar direitos a partir da nova Lei de Migração (Lei nº 13.445), que entrou em vigor em 2017.

"No Brasil, eu consegui ser eu mesma, mas como mulher, me sinto insegura de andar sozinha na rua", conta Maha, que perdeu o irmão em uma tentativa de assalto pouco depois de conseguirem os documentos brasileiros.

Além disso, segundo ela, apesar de ter se sentido acolhida no Brasil, ainda há muito o que fazer quanto à igualdade de gênero.

"Eu acho que as oportunidades dadas para os homens são muito maiores do que para uma mulher, porque mesmo no ramo em que eu trabalho, hoje como palestrante, é muito difícil ir a campo só pelo fato de ser mulher", diz.

Apesar das dificuldades, a luta de Maha tem sido reconhecida. Em dezembro do ano passado, ela esteve em Brasília para receber a condecoração da Ordem de Rio Branco. A insígnia é atribuída a pessoas físicas, jurídicas, corporações militares ou instituições civis, pelos serviços ou méritos excepcionais.

 

Liberdade limitada

Nana Jabbour, 23 anos, estudante de farmácia — Foto: Arquivo pessoal

"Eu vim para Brasília com a minha família em 2013, eu tinha 12 anos. Viemos por conta da guerra da Síria, que segue até hoje. Nós não conhecíamos ninguém próximo no Brasil, mas era um dos únicos países que, na época, oferecia vistos para os sírios”, lembra Nana Jabbour.

A jovem, que cursa farmácia na Universidade de Brasília (UnB), conta que "está vivendo um sonho". Apesar das dificuldades que enfrentou para aprender uma nova língua e se adaptar a uma cultura distinta, ela diz que, no Brasil, se sentiu mais livre.

"No meu país, a mulher é mais aprisionada pelo que a sociedade vai achar e julgar dos seus atos e das suas decisões. Então acaba sendo uma 'liberdade limitada', sempre com medo do que vão achar e como ela vai ser vista", diz.

Nana também afirma que observa diferenças entre ser mulher na Síria, e no Brasil.

“Aqui no Brasil, apesar das mulheres sofrerem muito ainda com a injustiça e o machismo, elas são mais livres do que as mulheres no Oriente Médio, principalmente em relação ao trabalho e ao lugar que ocupam na sociedade”, afirma Nana.

Número de mulheres imigrantes aumentou nos últimos anos

Segundo estudo do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), o número de mulheres imigrantes no país tem aumentado. Comparando os anos de 2011 e 2021, o número de mulheres imigrantes registradas em 2021 é aproximadamente 3 vezes maior que o de 2011, com 67.722 registros.

Ainda segundo a pesquisa, as mulheres imigrantes aumentaram substancialmente a participação no mercado de trabalho formal no país durante o período de 2011 a 2021. Em 2011, havia 19.095 mulheres imigrantes no mercado de trabalho formal no Brasil. No final da década, esse número passou para 60.775, um crescimento de 68,6% em 10 anos.

“Na maioria das vezes, as ocupações que exercem demandam longas jornadas de trabalho e com baixa remuneração. Nesse sentido, é importante chamar aqui atenção para a necessidade dessas mulheres, quanto a condições laborais insalubres, longas jornadas e baixos salários”, diz o relatório da OBMigra.

Para além disso, o observatório também destaca que o número de crianças imigrantes que dependem das mães também aumentou. "Essas imigrantes necessitam de condições laborais que as permitam trabalhar e também exercer a maternidade”, pontua o OBMigra.

 

Matéria originalmente publicada no portal g1.globo.com (09/03/2023). Por Bruna Yamaguti, g1 DF. Para ter acesso ao texto original, clique neste link!