Cotas em julgamento – Antes de ser revisada, política de cotas raciais vai a júri popular promovido pela Defensoria da Bahia

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Julgamento acontece no dia 30 de novembro, às 9h, no Parque da Cidade (Itaigara, Salvador)

 


 

Se você quer ver na prática como funciona o Tribunal do Júri ou é do tipo que não consegue se calar e omitir sua forma de pensar diante de uma polêmica, o próximo evento da série de júris simulados da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA é um prato cheio. No próximo dia 30 de novembro (terça-feira), a instituição leva a julgamento a política afirmativa de cotas raciais.

A chamada “Lei de Cotas” foi instituída no âmbito federal em 2012, garantindo reserva de vagas em universidades para pessoas que cursaram ensino médio integralmente em escolas públicas e para pessoas negras, indígenas e com deficiência. Ela deverá ser legalmente reavaliada em 2022, devido ao prazo de 10 anos estabelecido pela Lei para essa revisão, mas corre o risco de não ser renovada pelo Governo e pelo Congresso Nacional. Também se aproxima o prazo de reavaliação da lei de reserva de vagas em concursos públicos federais, prevista para 2024.

Mesmo uma década depois, o acesso da população negra/indígena às universidades e a vagas em órgãos públicos continua limitado. Para a implementação das cotas é necessário enfrentar preconceito, ceticismo político e falta de consenso sobre a reparação que a política traria às camadas historicamente mais vulneráveis da sociedade. As perguntas que ficam são: houve reparação? 10 anos foram/são suficientes? Cresceu o número de negros nas universidades/ serviços públicos? E as fraudes?

Enquanto ainda não há avaliações e diagnósticos pelo poder público sobre o sistema de cotas, a Defensoria baiana aproveita o Novembro Negro e a melhora no cenário pandêmico para retomar a série Júri Simulado – Releitura do Direito na História, buscando responder a essas questões, mas dessa vez com o julgamento simbólico não de uma personagem exatamente centenária. Embora contemporânea a nós, para existir, a política de cotas se fundamenta em desigualdades coloniais e escravagistas que perduram até hoje – e por isso ela adentra um júri que nasceu para garantir defesa a figuras históricas que nunca tiveram esse direito.

A política de cotas é alvo tanto de acusações quanto de defesas fervorosas desde que foi instituída, mas agora o julgamento sai das redes sociais, da digladiação na mídia e das discussões acaloradas no almoço de família, e vai a palco, com juízo, defesa e acusação constituídos. Com seriedade, técnica e aquela atmosfera teatral que torna o Júri popular tão incrível, o evento acontecerá ao ar livre, sob a proteção de toldos, no Parque da Cidade (Salvador), para evitar aglomerações em ambiente fechado.

“Com o júri simulado conseguimos, ao mesmo tempo, fazer um debate de questões importantes e mostrar como funciona a justiça penal e os procedimentos de um julgamento. É a segunda vez que julgaremos uma norma/legislação e não uma pessoa [a primeira foi a abolição da escravatura] e achamos relevante poder mostrar a importância das políticas afirmativas para todos os grupos historicamente excluídos”, destacou o defensor público geral da Bahia, Rafson Saraiva Ximenes.

O Júri Simulado

Nesse evento da série, três defensoras públicas do Estado Bahia compõem o plenário do júri: a acusação será feita por Carina Góes; a defesa, por Jamara Saldanha; e o papel de juíza, por Roberta Cunha. Serão sorteadas pessoas da plateia para compor a mesa dos jurados, que irão ouvir a argumentação da defesa e da acusação e votar para a absolvição ou a condenação da personagem histórica em julgamento. Assim como um júri popular real, os resultados podem acabar sendo imprevisíveis, pela característica democrática e de livre convencimento dos jurados.

Organizado pela Escola Superior da Defensoria da Bahia (Esdep), o evento é gratuito e tem como público-alvo estudantes do ensino Fundamental, Médio e Superior; estagiários(as) da Defensoria da Bahia; defensoras e defensores públicos, além de demais integrantes de carreira jurídica; estudantes e professores de áreas das Ciências Humanas, como Direito, História, Serviço Social e Sociologia; sociedade civil organizada, com interesse em movimentos sociais e direitos das minorias; além de operadores do Direito em geral. Debater as cotas em um evento como o Júri Simulado é importante tanto para informar a população e o público externo da Defensoria sobre os direitos sociais quanto para a formação do corpo funcional da instituição.

Lançado em novembro de 2016, o Júri Simulado – Releitura do Direito na História  da DPE/BA realizou o julgamento de figuras simbólicas e relevantes para a história da Bahia e do Brasil. Já subiram ao plenário simbólico do júri representações de Luiza Mahin, Zumbi dos Palmares, índio Caboclo Marcelino, Cuíca de Santo Amaro, Carlos Marighela, Lucas da Feira, Manuel Faustino, e até mesmo a Lei Áurea. O projeto colabora com a construção pedagógica de compreensão da realidade ao trazer à memória episódios que estruturaram o racismo e a invisibilidade de tradições e lutas de segmentos sociais, como da população negra e indígena.

Matéria originalmente publicada no site Defensoria da Bahia (19/11/2021). Por Lucas Fernandes DRT/BA 4922Clique aqui para ver o texto original!